quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Cinema, Aspirina® e Urubus, e sua relevância no contexto histórico brasileiro.

A abordagem da região nordestina no cinema brasileiro expõe como plano de fundo a seca, a miséria, os cangaceiros, os flagelados bem como os elementos característicos que formam essa cultura regional. Esse é o tipo de denuncia que reflete o total descaso até os dias atuais, bem como a pobreza que avassala o semiárido nordestino. Este tema que causa certa tristeza, não somente no drama em que abordaremos no presente trabalho, porém em vários outros filmes onde cineastas nordestinos, com vínculos regionais, tentam demonstrar que até no local onde dificilmente uma planta consegue sobreviver, o cinema pode registrar as peculiaridades locais e todo o seu contexto de relevância histórica em âmbito internacional. 
A diferença é que o sertão, propriamente dito, não é o foco principal do filme, muito embora parte das mazelas dos personagens sejam provenientes desta condição climática, onde o sertão encena sutilmente como cenário. A grandiosidade do momento histórico e o roteiro em si, é de tamanha relevância que o foco nas particularidades dos personagens sem espetacularização do clima seco, propiciam ao espectador maior concentração no que concerne a historia do filme.
Cinema, Aspirina® e Urubus, retrata o encontro de Johann e Ranulpho fugitivos de situações adversas em busca de novas perspectivas. No período em que decorre a história do filme o mundo é aterrorizado pela Segunda Guerra Mundial. Johann é um alemão que abordo do seu caminhão vende frascos de Aspirina e causa fascínio aos moradores locais com o seu cinema móvel apresentando filmes com as propagandas do produto. Iniciando sua trajetória no sudeste ele chega ao sertão brasileiro, com a tarefa de vender a mercadoria na região. 
Em meio a sua viagem conhece Ranulpho, nordestino, que pretende fazer o percurso inverso, pois almeja uma vida melhor no promissor e industrializado sudeste do país, rumo ao Rio de Janeiro. Interesses em comum e a promessa de cada um chegar ao seu destino, faz com que Johann e Ranulpho partam nessa aventura juntos. Aspirina para as dores e Cinema para os sonhos. Os personagens vão se transformando a cada confronto que a estrada estabelece e assim vai se construindo uma amizade inusitada entre pessoas de cargas culturais completamente diferentes.
A primeira exibição de cinema no Brasil, ocorreu no ano de 1896, no estado do Rio de Janeiro. Em 19 de junho 1898 o italiano Afonso Segreto produziu a primeira filmagem em terras brasileiras, com a produção de um curta-metragem com imagens da Baia de Guanabara, tornando esta data o Dia do Cinema Brasileiro. Porém estes primeiros anos foram bastante conturbados pois era precário o fornecimento de energia elétrica, o que tornava muitas vezes inviável a exibição dos filmes. Até então essas produções se limitavam às capitais do Rio de Janeiro e São Paulo, posteriormente em meados dos anos 1920 as produções cinematográficas se estendem para outros centros, como Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Pernambuco. No Brasil não se encontrava incentivo fiscal e muito menos qualificação profissional para as produções cinematográficas semelhantes às que eram produzidas na América do Norte. 
Em meio a este contexto, as regiões mais distantes dos grandes centros, sejam elas agrícolas ou pequenos vilarejos desafortunados, por questões geográficas e de interesse econômico, acabaram por se distanciar mais ainda do consumo do cinema como meio de entretenimento. Eram mínimas as possibilidades de serem beneficiadas as regiões mais distantes com tal recurso tecnológico. A situação que se observa no sertão nordestino na década de 40 (embora o cinema internacional já produzisse grandes clássicos como “Cidadão Kane”, “Casablanca”, “O Grande Ditador” entre outros) era de total desconhecimento, dos cidadãos, acerca da existência desta novidade tecnológica: o cinema. 
Cinema, Aspirinas® e Urubus retrata um período histórico, especificamente no ano de 1942 se estendendo em um período delicado da história do Brasil onde então era governado por Getúlio Vargas, sob o regime ditatorial do Estado Novo, que durou de 1937 a 1945. No plano internacional o mundo se aterrorizava com a eclosão da Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) que assolava a Europa, a Ásia e já fazia estragos em território norte-americano. Adolf Hitler havia, em pouco tempo, tomado posse ou colocado sob seu controle grande parte da Europa ocidental, impondo o terror do regime nazista aos países e povos conquistados. Diante disso o Brasil se manteve neutro até 1941. Mesmo com forte simpatia por governos fascistas e uma leve inclinação à ditadura de Hitler, Getúlio Vargas, neste mesmo ano, assinou um acordo entre Brasil e Estados Unidos, pelo qual o governo norte-americano se comprometia a financiar a construção da primeira siderúrgica brasileira, em troca da permissão para a instalação de bases militares no Nordeste. O que inviabilizou qualquer tipo de apoio aos alemães. Até este ponto nas cenas do filme as relações internacionais entre Brasil e Alemanha não impossibilitaram que a amizade entre pessoas tão diferentes quanto o alemão Johann e o brasileiro Ranulpho, fossem interrompidas. Num ambiente árido e quente, os dois personagens convivem em meia a adversidades climáticas, objetivando seus desejos particulares, cheios de emoção e reflexões sobre a vida e a busca da felicidade. 
No percurso para cada cidade, o calor, a seca, as estradas danificadas fizeram parte do cotidiano dos personagens do filme. Utilizando uma velha máquina e uma lona esticada em pedaços de madeira, Johann o alemão, exibia filmes publicitários das Aspirinas. A maioria da população local desconhecia aquele meio de comunicação naquele momento as pessoas sentiram-se maravilhadas e convencidas com as condições de bem estar demostradas pelo uso do medicamento, que era considerado como a grande novidade do século. 
Após muitas adversidades e bons lucros, o negócio das Aspirinas chamou atenção do empresariado local, que pretenderam investir juntamente com Johann na importação do medicamento, porém tal parceria não progrediu, diante do rompimento das relações internacionais entre Brasil e Alemanha. Os meios de comunicação noticiavam que navios brasileiros haviam sido torpedeados por submarinos alemães. O presidente Vargas, sentindo que não podia postergar a decisão sob pena de minar as bases do Estado Novo, decidiu então assumir a liderança da reação nacional e, no dia 22 de agosto, depois de uma reunião com todo o ministério, declarou guerra a Alemanha, Itália e o Japão, os paises do Eixo, formalizada no 31 de agosto de 1942, pelo Decreto-Lei nº 10.358.
A partir de então, cidadãos alemães, italianos e japoneses perdem seu direito de ir e vir em território nacional e são duramente controlados pela polícia de Vargas. Este ocorrido, tão distante do sertão nordestino alterou o destino dos viajantes protagonistas pois nesse período de Segunda Guerra Mundial o Governo de Vargas além de enviar tropas brasileiras a Europa, também recrutava milhares de flagelados da seca do nordeste do Brasil para trabalhar na Amazônia. Esses trabalhadores se embrenhavam pelos seringais para produzir borracha usada pelos americanos na guerra. O desfecho do filme ocorre quando o Brasil e os Estados Unidos fazem um acordo que consequentemente tornou o Brasil inimigo alemão, dessa forma muda a vida de Ranulpho e Johann que viu uma possibilidade de fugir da perseguição brasileira se deslocando para os seringais.